Nota de editor:
Devido à
existência de erros tipográficos neste texto,
foram tomadas várias decisões quanto à
versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi
mantida de acordo com o original. No final deste livro
encontrará a lista de erros corrigidos.
Rita
Farinha (Ago. 2009)
VESPERAS DO CENTENARIO
AS OBRAS DOS JERONYMOS
PARECER
Apresentado á Commissão dos Monumentos Nacionaes
Em sessão de 7 de Novembro de 1895
pelo seu Vice-Presidente
LUCIANO CORDEIRO
LISBOA
Typographia―CASA PORTUGUEZA―Papelaria
139―Rua de S. Roque―141
1895
VESPERAS DO CENTENARIO
AS OBRAS DOS JERONYMOS
PARECER
Apresentado á Commissão dos Monumentos Nacionaes
Em sessão de 7 de Novembro de 1895
pelo seu Vice-Presidente
LUCIANO CORDEIRO
LISBOA
Typographia―CASA PORTUGUEZA―Papelaria
139―Rua de S. Roque―141
1895
I
Destinada, em 28 de dezembro de 1833, a parte conventual do
edificio dos Jeronymos á installação
da chamada
Casa Pia de Lisboa,
vinte annos passados um Provedor benemerito, de quem todos
nos lembramos ainda:―José Maria Eugenio
d'Almeida,―entendeu
dever acompanhar a radical reforma d'aquella
instituição
asylar com a das velhas e desconcertadas casarias em que ella
pouco confortavelmente se alojava.
Parallelamente com as necessidades hygienicas e disciplinares
do pio internado, determinava-lhe o generoso impulso outra idea,
não menos generosa, decerto, mas antes recebida do que
germinada,
talvez, n'aquelle espirito caracteristicamente pratico:―a de
melhor conformar e adaptar á grandesa e á
feição esthetica da
parte primitiva do Monumento, pelo menos o aspecto architectonico
e decorativo do resto da vasta edificação.
Da extraordinaria associação d'estas ideias,―mal
definidas e
reflectidas, então, nem mais definidas, nem reflectidas
melhor até
hoje,―derivaram as
obras que se
teem ido fazendo e desfazendo
desde 1863, sob as denominações improprias
até ao absurdo, de
«restauração» e de
«reconstrucção» dos
Jeronymos:―tão pouco
«
reconstrucção»
que
começaram por desfazer a continuidade do
Monumento;―tão pouco
«restauração» que demolindo
grande parte
do que existia, e até do que era mais que provavel que
existisse
desde a fundação primeira, foram essas obras
ensaiando, sem estudo
e por phantasia, o que não podera ser a traça e o
aspecto
originario, nem, em tempo algum, a fabrica integral e harmoniosa
do edificio na sua intenção e na sua
significação singular.
[4]
Disparatavam, irrecusavelmente, desde a rasão e
inspiração inicial,
os dois objectivos que se pretendia fazer mais do que paralellos,
convergentes, á força de engenho e sem olhar a
despesas:―o
de uma installação asylar para um milheiro de
creanças orphanadas
e desvalidas, e o de uma suposta restituição
artistica da
grandiosa e historica construcção em que
continuasse a habitar
e a affirmar-se a idea que n'ella fundira a fé e a arte
nacional no
seculo XVI.
Mas desde o começo se aggravou, ainda, esta manifesta
irreflexão
e inaptidão de propositos, no impeto indisciplinado, e
depois
na malograda teimosia da execução.
Podera suppôr-se, creio até que muita gente
suppõe, realmente,
que o Monumento se achava truncado ou ficara incompleto;―que
nada mais existia do que o Templo, ou que além d'elle,
n'essa
extensa linha de fachada onde
principalmente
se teem feito e desfeito
as
obras, sómente
existiriam, quando ellas começaram, ruinas
incaracteristicas, dispersas, inuteis.
Tal não era, porém.
Independentemente de muitas outras memorias graphicas ao
alcance de todos, ha juncto da collecção de
documentos que supre
ou representa o processo official das
construcções novas, um desenho
de planta e alçado immediatamente anterior á
iniciação
d'ellas em 1863.
[1]
Essa iniciação consistiu, até, em
demolir a maior parte do que
existia a occidente do Templo, em natural
continuação d'elle, e o
que existia era o complemento, a conclusão original,
necessaria,
historica do Monumento:―o Mosteiro.
É claro que o Mosteiro abandonado e arruinado; mutilado,
aqui; deformado, alem; cheio de entumecencias ridiculas e de tapumes
ignobeis; esfuracado por janellêtas banaes; remendado a
retalhos
de classicismo pedante; muito differente, naturalmente do
que fôra,―e quem sabia e quem pensou o que fôra?
Em summa: uma agglomeração de casarias como
succede, e
qualquer póde ver, ainda, em quasi todas as
edificações conventuaes
que as gerações fradescas, as conveniencias de
occasião, o
gosto e as ideas dominantes das diversas epocas vão
successiva e
[5]
arbitrariamente truncando, sobrepondo, adaptando á sua
imagem
e semelhança.
Mas tambem,―e é sempre o mesmo facto que todos teem
tido occasião de observar,―atravez d'essa massa confusa,
d'essa
especie de estratificação secular, rompem aqui ou
ali; resistem
n'um ou n'outro lanço; triumpham e impõem-se,
até, n'algumas
linhas, com uma authenticidade soffrivelmente nitida, flagrante, os
elementos, os membros da primeira construcção ou
das mais antigas
e genuinas feições architectonicas e decorativas.
Isto devia succeder, e realmente succedia nos Jeronymos.
Logo no simples relance do conjuncto,―pois que felizmente
possuimos o alçado anterior ás obras,―os vinte e
oito gigantes
eguaes e equidistantes que se alongam e trepam a cortar as linhas
superiores da fachada, terminando em pinaculos que parecem
enormes busios estylisados;―as vinte e sete largas arcadas de
ogiva que podemos chamar abatida;―os altos corpos de
passadiço
ladeados pelos mais elevados d'esses gigantes e quebrando
graciosamente a linha geral da platibanda;―os proprios
troços
rendados d'esta ultima: póde bem dizer-se que nos obrigam,
apezar
de todos os cortes e remendos, a reconhecer e reconstruir
idealmente a velha e forte carcaça d'aquella parte do enorme
edificio.
Essa parte, especial theatro das novas
construcções fantasistas,
era evidentemente constituida por uma especie de extensissima
galilea
[2]
em arcaria ogival abatida, seguindo o eixo E. O. da nave
central do Templo, como que continuando esta, e sustentando, em
[6]
toda a extensão, a casaria conventual, caracteristicamente
uniforme e simples.
Reforçavam e dividiam toda a
edificação os gigantes mais altos,
em cinco grandes corpos que outros menos largos e mais elevados
ligavam, n'um mesmo plano, recortando superiormente, em grega
simples, a estructura geral.
Para a singular galilea ou alpendre abria a porta ou portico
considerado pela architectura official, a entrada principal do Templo,
e n'ella ajoelhava o Regio Par,―Dom Manoel e a mulher, que
la estão ainda,―como se tivessem vindo á frente
dos Descobridores
regressados dos longicuos horisontes do mar, por aquellas
arcarias dentro, trazer á Virgem do Restello a nova e o
agradecimento
do desencanto da India.
[3]
Ali junto, no angulo sul, erguia-se a Torre dos sinos que havia
de chamar os Jeronymos ás orações do
ritual; lembrar aos mareantes
que partiam a confiança em Deus e na Patria; saudal-os
alegremente
na chegada das asperas navegações e campanhas:
uma
torre singella e pratica, tão tradiccional e symbolica como
toda esta
disposição architectonica, em
edificações monasticas do seculo XVI.
Isto é que era. Isto é que devia ser.
É claro que tudo isto fôra violado, invadido, mais
ou menos
mascarado pelas reconstrucções e
sobreposições successivas, como
ficou dito já.
As arcadas haviam sido entaipadas, abrindo-se no tapume pequenas
janellas quadradas e cerrando-se o recinto da galilea; deformara-se
a ligação superior do Mosteiro com o Templo, como
a
estupida obsessão do
classico substituira, pouco depois
da fundação
d'elle, a Capella mór; diversos membros e lavores haviam
sido
truncados ou substituidos nas adaptações novas, e
as janellas pretenciosamente
ornamentaes, palacianas, dos corpos de passadiço
ou de ligação estavam accusando um enxerto
innintelligente.
Mas tambem outra observação parecera que
immediatamente
deveria impôr-se: a de que a edificação
conventual não podia, não
[7]
havia de hombrar
soberbamente, em
grandesa e
opulencia architectonica
e decorativa, com o Templo, antes pela sua singelesa austera
e humilde,―consoante com
o proprio
destino,―pela sua uniformidade
aceada e sobria de decoração e de estructura
faria destacar
gloriosamente o corpo primario, capital.
Seria de simples bom senso a idéa.
Em todas estas vastas edificações monasticas
é no Templo que
se concentra, na mais natural intenção e
significação devota, a
inspiração
e o esforço da Arte.
Nada d'isto, porém; nada do que era natural e pratico, se
reflectiu
e estudou, e ha de ver-se que nem esta ultima circumstancia
se tem ponderado até hoje. De o não ter sido tem
resultado,
exactamente, um dos maiores embaraços á
conclusão das
obras,
pois que em vez de a procurar, rasoavel e modestamente, n'uma
reconstrucção subordinada á parte
principal do Monumento e reconstitutiva
da integridade e da harmonia historica e plastica d'elle,
tem-se pretendido petulantemente accrescental-o, a bem dizer:
duplical-o, em esforços e
primores de
uma―«imaginária»―esculptural
de sobreposse.
Com essas obras começou a aventura e com esta nos
encontramos
ainda, em face d'ellas e dos ultimos projectos propostos para
a sua conclusão.
Estava, então, em Portugal ao serviço do Estado,
um architecto
francez, Colson.
Pelo curioso privilegio de ingenua confiança que entre
nós disfructam
os aventureiros estranhos, foi este individuo incumbido de
elaborar um plano e projecto geral das
obras, certamente por arbitrio
do Provedor da Casa Pia, mas, em todo o caso, com
approvação
governativa em portaria de 16 de abril de 1860.
Pouco ou nada conheceria Colson, da historia do Monumento
e do estylo e caracter d'elle. Fez, comtudo, esse projecto pois que
lh'o pagavam por 2:243$166 réis, e que não foi
approvado, diz
seccamente um relatorio official:―«em consequencia de
não satisfazer
ao fim proposto».
Não logrei ver esse projecto, nem sei, até, se
existe.
[4]
Devia
estar no processo official e não está, como
não estão outros documentos.
Mas a circumstancia d'elle não ter satisfeito ao fim que lhe
impunham,
[8]
dá-me naturalmente rebate de que Colson tivesse
conscienciosamente
ensaiado corrigir a irreflexão e inaptidão
d'esse―«fim.»
«Depois,»―continua o
documento,―
depois não houve projecto
geral, e a obra foi começada e progrediu
mediante projectos parciaes
elaborados pelos architectos encarregados de a dirigir.»
O Provedor da Casa Pia, certamente o melhor dos Provedores,
escolhia e nomeava os architectos (?) que haviam dirigir as
obras; como estas para ser dirigidas
precisavam... fazer-se, e para
fazer-se não era inteiramente dispensavel que se
projectassem, o
Provedor ia encommendando a esses architectos os projectos das
obras que se havia de ir fazendo para que elles as dirigissem;
consultava
as pessoas das suas relações que tinha por mais
competentes,
e mandava executar os projectos que approvava.
Cinjo-me, quasi litteralmente, aos textos officiaes.
[5] Se elles
não existissem ou não me reportasse singellamente
a elles não poderia
queixar-me de que me não acreditassem, pois que tambem me
parecera inacreditavel, isto.
Os primeiros architectos escolhidos, para assim, aos retalhos,
por tentativa, a capricho, ir projectando, cirzindo, dirigindo esta
teia de Penelope que dura ha bons 32 annos, foram os seguintes:―de
novembro de 1863, quando as obras começaram, até
março
de 1865, em que teve de ceder o logar ao privilegio dos
forasteiros:―Valentim
José Correia, realmente um architecto diplomado
e reconhecido pelo Estado, que honradamente mostrara não ser
homem para taes emprezas, embora fosse muito sério e digno,
em
outras mais modestas;―de abril de 1865 a março de 1867 um
architecto inglez, J. Samuel Bennet, que viera dirigir os trabalhos
d'aquella excentricidade architectonica de Monserrate que se apegou
á lenda dos encantos de Cintra, na memoria de todos os
touristes;―de
abril de 1867 a dezembro de 1878, os habeis scenographos
Rambois e Cinatti que durante muitos annos fizeram a
justa admiração dos frequentadores de
S. Carlos.
Não seria equitativo calar os nomes dos mestres de
pedreiros.
Representavam estes personagens um papel importante no processo
adoptado, ora supprindo, ora
substituindo
os architectos, sendo até
os primeiros e directos responsaveis pelas
obras, como parece ter-se
[9]
querido fazel-os n'uma especie de inquerito do primeiro mallogro
d'ellas.
Alem de que, sendo o melhor que ellas nos offerecem, o trabalho
de pedra, justo seria o registo dos obscuros operarios que o
teem feito, não sem perigo de ficar sepultados n'elle.
Foram, pois, esses primeiros mestres de pedreiro, até 1878,
Francisco Dias, e depois Fructuoso de Figueiredo.
Poupemos aos vindouros a impertinencia de complicadas theorias
sobre os Boytacas do nosso tempo, já que tão
desconsolados
nos teem deixado as engenhadas sobre o Boytaca verdadeiro.
Assim podessemos averbar a cada um dos
«imaginadores» e
executores das obras a parcella da sua sciencia.
Mas não podemos: Deve entender-se que ao primeiro para
pouco mais daria o tempo, senão tambem a competencia, do que
para demolir. Segundo informação que me parece
auctorisada, a
elle se deve a demolição da chamada
«Sala dos Reis», parte ou
corpo superior da ligação do Templo com o
Mosteiro, e a correspondente
scisão da galilea:―consequentemente o inicial e
inconsciente
attentado da scisão do Monumento, em dois.
Do inglez sabemos, e facil seria de perceber, que são as
portas
lateraes da fachada sul e a do nascente que olha para a Igreja:
uma decoração bonitamente artificiosa, impropria,
muida.
Aos artistas italianos pertenceram as
reconstrucções e decorações
mais importantes e arrojadas:―os miranetes, a torre mitrada,
o imponente «corpo central» desapparecido: uma
scenographia em
pedra rebuscada na convenção oriental, na
phantasia gothica, até
na motivação moderna dos bastidores da Opera.
[6]
Em 18 de dezembro de 1878, este singular processo de
«restaurar»
ou de «reconstruir» um dos nossos primeiros
monumentos
nacionaes que é um dos monumentos historicos e artisticos
mais
notaveis do Mundo, resolveu-se naturalmente, logicamente, n'um
desabamento tragicamente ridiculo.
Um dos retalhos, um dos «projectos parciaes»,―o
mais importante
d'elles, imaginado pelos illustres scenographos, sanccionado
pelo benemerito Provedor, certamente approvado e admirado
[10]
pelas pessoas mais competentes das suas
relações;―em summa:
o famoso «corpo central» que se erguia
já arrogantemente acima
da massa escura e rude do velho Templo Manuelino, bojou, rompeu-se
e ruiu em terra, sepultando algumas desenas de contos de
réis, uns poucos d'annos de trabalho e por bem pouco
deixando de
sepultar tambem um grande numero de vidas.
A forma demasiadamente abatida das abobadas superiores, projectando
a curva das pressões fôra da prumada das paredes
mal
fabricadas e delgadas; os alicerces inteiramente banhados d'agua,
sem pozzolana nem cimento, assentando sobre uma camada de
1,
m50 de terreno de alluvião que o
separava da rocha
basaltica inferior:―taes
foram as causas immediatas, ostensivas, technicas
do desastre.
A causa primaria e geral era o processo adoptado e teimosa e
desabusadamente
seguido:―inacreditavel,
repito, se não estivesse
denunciado, confessado, authenticado, formalmente, pelos mais
insuspeitos
documentos officiaes.
Estava encerrado o primeiro periodo das
obras que custara 15
annos de trabalho e 358 contos de boa moeda.
Intencionalmente indico a verba.
Teem, tambem, os algarismos uma especial eloquencia e um
legitimo logar n'estas cousas.
Não será, pois, inutil saber-se quanto haviam
custado já essas
obras.
É official e directa a informação:
Projecto
primeiro |
2:246$166 |
Demolições |
2:644$100 |
Desaterros
e
aterros |
17:738$868 |
Obras
na
Igreja |
49:742$626 |
Obras
«no novo edificio da Casa
Pia» |
286:265$684 |
|
|
|
358:628$444 |
E como se creou e subsiste a lenda de que essa Casa Pia principalmente
tem corrido com a despeza,―o que não honraria muito
a administração de um estabelecimento de
caridade,―ou que esta
despeza em pouco ou nada tem sobrecarregado o E
E como se creou e subsiste a lenda de que essa Casa Pia principalmente
tem corrido com a despeza,―o que não honraria muito
a administração de um estabelecimento de
caridade,―ou que esta
despeza em pouco ou nada tem sobrecarregado o Estado, parece-me
tambem não ser inopportuno, indicar como e de onde essa
enorme somma proveio:
[11]
Donativo do Rei D.
Fernando |
26:866$664 |
Subscripção
no
Brazil |
4:853$332 |
Donativos
particulares |
6:000$500
|
Juros de emprestimos ao
Estado e
particulares |
16:881$358 |
Juros
de depositos nos
Bancos |
251$754 |
Venda
de diversos
objectos |
903$052 |
Suprimentos
feitos pelo Cofre da Casa
Pia |
20:000$000 |
Loterias
extraordinarias auctorisadas pelo
Estado |
135:672$284 |
Directamente fornecido
pelo
Estado |
146:200$000 |
|
|
|
358:628$444 |
Será muito arriscado duplicar esta somma para nos
approximar-mos
da despeza feita até hoje?
E pensar a gente que tudo se gastou e consumiu para não ver
o Monumento concluido, nem saber sequer, e ainda, como
deverá
concluir-se melhor; para não ter a Casa Pia convenientemente
alojada,
nem pensar até em removel-a d'ahi e collocal-a e installal-a
mais rasoavelmente!...
Quem de boa fé e de regular senso deixará de ver
que a simples
e consideravel verba despendida para obter a derrocada providencial
de 1878, nos podera ter dado o Monumento restaurado,
e a Casa Pia installada nas condições
fundamentaes e praticas de
um internado asylar moderno, muito fóra ou muito longe
d'ahi, é
claro?
Quanto se gasta annualmente; quanto se tem gasto até hoje,
sómente em apropriar e conservar a essa mesma Casa Pia
aquelle
alojamento improprio?
A 295:118$834 réis se elevava já essa despeza em
1892.
[7]
II
Pondo em evidencia as
obras e a
descoberto as ideias que a
ellas presidiam, a incompetencia que as dirigia e os processos
adoptados na concepção e
execução d'ellas, parecera que veriamos
abrir logar e tempo á reflexão, ao estudo,
á critica conscienciosa e idonea.
[12]
Pagaramos um ensaio mal pensado, precipitadamente preparado,
executado desalmada e aventurosamente. Ha males que
veem por bem.
O desastre era uma licção cruel, mas era uma
licção.
Parecia isto natural, rasoavel, pratico.
Não foi, porém, o que succedeu.
Passadas as primeiras sugestões, a bem dizer instinctivas
dos
erros ou das illusões incorridas; retrahidos e vexados, por
algum
tempo, os primeiros impetos irreflectidos e mallogrados, reabriu-se
a mesma situação e reincidiram as mesmas ideas e
processos,
aproximadamente, de maneira que passados 32 annos depois do
começo das
obras, e 17,
depois da derrocada, continuamos a ter
obras e a não ter o
Monumento reconstituido, ou a fazel-as e desfazel-as,
apenas mais recatadamente, um pouco, sem plano, sem
pensamento, sem destino definitivo e sério.
[8]
Posto de parte o primeiro ou o unico plano geral,―o de Colson,―todos
os projectos parcelares mais ou menos desenvolvidos
teem um caracter de fantasista apparato, obdecendo evidentemente
á idea de uma construcção nova que
possa hombrear com a grandesa
e o aspecto da parte primitiva do Templo, que exceda até
essa grandesa ou dispute a acção esthetica e
impressionista d'esse
aspecto.
Uma vez adoptada ou imposta tal idea, nada mais natural do
que perder-se de vista e da vontade a simples
reconstituição ou
reparação harmonica do velho Monumento, para, em
vez d'isto,
pôr a aspiração e o esforço
na fabrica de um monumento novo ou
de uma remodelação imaginaria.
Ha uma circumstancia que por si basta para comprovar de
maneira irrecusavel e decisiva a obsessão que só
o desejo leal de
a ninguem offender nos obriga a não chamar estupida, d'este
proposito
monotonamente repetido.
É a reincidencia no chamado «corpo
central».
Central, como?
Central, de que?
Central, porque?
Porque se projecta e separa petulantemente em monumento
novo, em edificio authonomo, a nova construcção.
[13]
Mas, então, não é o verdadeiro, o
genuino Monumento que se
quer honradamente, sensatamente, restituir, reparar, conservar!
Quebra-se, mutila-se a sua estructura e o seu caracter. Interrompe-se
com a sua integridade material, a sua rasão, a sua
intenção
historica, até a sua unidade esthetica.
Se ao menos, se contentassem, modestamente, com exhibir e
ensaiar
a luxuosa fantasia dos
porticos de
apparato ou dos torreões
de convenção, na fachada occidental, apenas, onde
devera ser e
era a entrada da galilea, longe, por conseguinte, do grande portal
manuelino e sem contraste immediato
com a fachada longitudinal
da edificação, uma certa attenuante podera
encontrar-se á desastrada
idéa. Seria a de querer dotar com uma entrada de
ostentação
e de luxo, sem prejuizo ou sem quebra do aspecto
geral do edificio, a parte d'elle que não podendo
já destinar-se
a Convento, teria de alojar privativamente uma
instituição differente.
Mas não. A fachada meridional é que seduz e
prende a pretenção
vaidosa.
Logo no começo das obras, dizem os documentos officiaes que
se demoliram―«janellas magnificas»,―e demoliu-se
a «sala dos
Reis,»―e o primeiro lanço da galilea,
já deturpado, é certo, mas,
em todo o caso, ligação historica, necessaria do
Templo com o
Mosteiro.
Cortou-se, depois, este ultimo, a meio da fachada, para dar logar
a um forte―«corpo central»,―uma entrada e
escadaria privativa,
apparatosa; um torreão altaneiro, inexplicavel, que
dominasse
toda a vasta traça do Monumento.
Setenta e dois metros de altura attingira o que desabou como
um castello de cartonagem, em 1878.
E poucos annos decorridos depois da catastrophe, quando ao
abrigo do mais extraordinario abandono official, se ensaiava novamente
o proseguimento das
obras, a
obsessão do «corpo central»
retoma a dianteira d'ellas, o principal logar.
Em 13 de outubro de 1882, o director da Casa Pia de Lisboa,
apresenta e propõe o projecto de uma nova torre e portico
central,
de 60 metros d'altura, e prevenindo divergencias de gosto ou
procurando satisfazer todos os paladares bureaucraticos que tivessem
de sentenciar no assumpto, dá-se ao curioso incommodo de
esboçar
onze torres ou
porticos «centraes» diversos. Onze!
Que não se averbe a conta de censura individual, o reparo,
que o não é, e tanto que tomo o projecto
Valladas, por exemplo, como podera tomar qualquer outro.
[14]
Com o mais authorisado me poupo á referencia e á
critica dos
outros.
Esta facilidade, esta prodigalidade de concepção
artistica do
membro principal, da edificação imaginada, para
conclusão condigna
e harmoniosa do grande monumento, corresponde perfeitamente
á geral ausencia de um estudo sério e de uma
segura e nitida
percepção do caracter, do estylo, da
significação d'elle, da
sua integridade historica.
E que admira isto?
Não vemos e ouvimos todos os dias confundir o gothico
portuguez,
o
Manuelino, com o gothico florido;
até com o gothico simples;
quando muito imaginal-o mal definida ou barbara variante
decorativa, esquecidas ou desdenhadas as mais evidentes
differenciações
e feições architectonicas?
Parecendo ter o instincto d'essa desorientada
situação, a Junta
Consultiva de Obras Publicas, objecta, em 22 de maio de 1883, o
que chama o―«gosto pyramidal»―da nova torre
proposta, gosto
ou forma similar á dos scenographicos miranetes dos angulos
da
reconstrucção ensaiada;―reconhece que
simplesmente se procura
n'uma engenhosa combinação de arcos botantes e
botareus,―como
se elles fossem meros elementos decorativos,―«mascarar
o esguio e nú que se notava na
construcção anterior»,―mas
condescende infelizmente com a ideia d'esse «corpo
central», aconselhando
que elle adopte, de preferencia, a forma de uma―«torre
quadrangular».
Até então podera orgulhar-se aquella illustre
corporação, de
achar-se isempta de responsabilidades n'esta longa e picaresca
historia das
obras de Belem,
tendo-se recusado a authorisar ou
approvar quaesquer projectos anteriores.
E se a substituição que aconselha no projecto
Valladas parece
á primeira vista comprometter um pouco esta feliz
isempção, tem
pelo menos o valor de ser o primeiro rebate, a primeira nota suggestiva
de um facto capital que mal se comprehende que tenha sido
teimosamente inobservado e desattendido por quantos teem projectado
e
engenhado―«concluir»―ou―«restaurar»―o
longo e
formoso Monumento, alteando-lhe o aspecto e a estructura n'uma
florescencia aeria de botareus brincados e de arrojadas agulhas.
Consiste esse facto em que a linha ascencional, as curvas
apertadas, as formas esguias, hieraticas, pyramidaes do velho gothico,
não são já as
feições, as tendencias predominantes do
Manuelino
que se objectiva e desenvolve em fortes massas longitudinaes,
como arcabouços de galeões, sob o simultaneo
influxo da
[15]
Descoberta oriental que impulsa os espiritos para as grandesas
terrenas e da Renascença greco-romana que incendeia a Arte
no
idealismo pagão.
É certamente o instincto, e nem admira que não
seja a doutrina
segura e nitida, d'este facto, o que move aquelle tribunal de
consulta technica a contrapôr o―«typo rectangular
e pouco elevado»,―como
diz, ao que qualifica de―«typo pyramidal»,―das
obras, por mais conforme e
harmonioso com o typo primitivo,
manuelino, do
Monumento.
De resto, encontrando, a bem dizer, separada e authonoma a
construcção nova que devera ser simples
continuação da antiga,
comprehende se que uma junta official de engenheiros,―e não
de
artistas ou de criticos d'arte,―transigisse com a idea de dotar
essa construcção com um portico, com uma entrada
apparatosa,
com um «corpo central», privativo e imponente.
Mas que esse «corpo central»,
recommenda―não siga o typo
pyramidal dos miranetes já infelizmente construidos.
E tanto, realmente, a questão insensivelmente se deslocara
da
idea inicial e geral das
obras para
a d'aquelle monumento novo,
que sobre os projectos de conclusão d'elle não
tardou em incidir a
sentença official, technica, por aquelle mesmo tribunal
formulada
de que o «corpo central» haveria de elevar-se
alguns metros acima
dos miranetes angulares, especie de balisas e enfeites terminaes
d'esse monumento novo.
Não podendo, pois, considerar-se approvado o projecto
Valladas,
nem tendo sido fixada em outro a substituição
indicada pela
Junta Consultiva, continuaram as cousas no mesmo estado de incerteza
e de arbitrio, aggravado ainda por novas irreflexões.
Com o mesmo desceremonioso criterio, ou com a mesma falta
d'elle, com que se destinara o historico edificio a
instituição asylar
de creanças, projectando-se restituil-o á sua
integridade monumental,
formou-se e realisou-se a idea de o ir aproveitando e adaptando,
aos pedaços, para asylo de outras
instituições que pelas
suas proprias exigencias fundamentaes desparatavam com essa
installação
ali, e nenhuma relação de consonancia e de
harmonia critica
poderiam ter com o Monumento.
Assim foi que um pseudo Museu Industrial, especie de Cabeça
de Pau de rebotalhos esmolados, sem caracter nem
licção que de
longe lembre os bellos e instructivos Museus Industriaes de Vienna
ou Berlim, pôde petulantemente pregar um lettreiro garrafal e
reles
sobre
a graciosa e rendada
archeologia de
uma parte da fachada
interrompida; como nas paredes do formosissimo e magestoso
[16]
claustro se exhibem os desenhos e aguadas dos collegiaes, e ferem
importunos e irreverentes, as fortes e velhas abobodas destinadas
a abrigar a paz dos corações e a
devoção dos espiritos, os toques
da corneta e as voses da ordenança n'um simulacro de
caserna.
Ultimamente se alojou lá, tambem, um outro
serviço, um outro
pseudo-museu, com o apendice de uma estação
chimico agricola,
se bem me lembro.
Decerto, na impressão immediata e geral o escandalo
não será
tal ou tamanho como o do gazometro que defuma mais adiante a
joia manuelina da Torre, aquelle bruto aventesma que parece
propositadamente
postado lá para justificar a phrase que Garrett punha
na bocca dos extranhos quando entrassem o Tejo:
―
Aqui moram barbaros!...
Mas pelo que tenho tido mais de uma vez occasião de
observar,
o visitante, o forasteiro culto, o observador educado, o pensador
delicado que tenha o culto, o amor, o fino sentimento da
harmonia, da ordem, da consonancia ideal das cousas, dirá
que a
Casa Pia é uma excellente instituição,
dedicada e intelligentemente
servida e dirigida; que o Museu é bonito e poderia ser util,
que
é lamentavel até, que lhe não
dê o Estado mais
recursos
para
melhor valer, mas que tudo isso fica mal ali; que disparata
irritantemente
com o caracter, com a significação, com a propria
estructura
do Monumento; que interrompe ou affronta a integridade,
a dignidade d'elle.
Se esse visitante fôr um medico, um hygienista ou um
pedagogista
serio, dirá que á propria
instituição asylar, ás
condições e ás
conveniencias da sua natureza e destino repugna aquelle alojamento.
Se pensar, e souber, seriamente, o que são museus; o que
são,
especialmente, museus industriaes; porque e para que se querem
e se fazem; se os tiver visto
funccionando, frequentados, todos os
dias, por artistas, por operarios, por mestres e patrões das
grandes
e pequenas industrias que vão ali beber a
lição directa, pratica
immediata dos modelos, da mão d'obra, do fabrico, dos
preços, e
não apenas, em desenfadamentos de domingos e feriados por
curiosos
burguezes: esse visitante observará que o museu
está mal,
deslocado, pouco menos que inutilisado ali, fóra das grandes
correntes
de circulação, dos centros mais activos do
trabalho industrial.
Se fôr então um artista...
Mas para que procurar novos exemplos?
A impressão será commum.
[17]
Esse visitante dirá:―«Esta gente ou este Estado
não tem a
comprehensão, a vontade, a disciplina,
a
medida exacta, racional,
das cousas bellas, uteis, praticas da vida nacional. Mistura tudo:
um asylo de pobreza, com um monumento d'Arte; um padrão de
Historia com um museu de Industrias; a archeologia, a beneficiencia,
a fabrica; a descoberta da India, a infancia desvalida, o trabalho
manual e mechanico. Na Torre de Belem, pozeram um pharol,
alguns postes telegraphicos, e a formar-lhe o fundo um gazometro,
e montanhas de carvão; qualquer dia dão o
Convento de
Christo de arrendamento a um fabricante de pannos; já uma
vez
derrubaram um lanço do Castello de Leiria para offerecer uma
pequena orgia pyrotechnica a uma visita regia. Não fizeram
ha
pouco da celebre estatua do Terreiro do Paço, centro
ornamental
de uma barraca de feira, e da columna do Rocio, poste de
illuminação
chineza? E o mais e o mais...»
Voltemos, porém, aos Jeronymos.
Ora é claro que independentemente das
adaptações com que
os hospedes alludidos irão alterando e deformando, mais ou
menos
disfarçadamente, o Monumento, não pode ser
indifferente ao
caracter e á integridade d'elle se lealmente se pretende
restaurar ou
restituir, o seu destino, a sua applicação
actual, até porque tal circumstancia
ou tal elemento pode quebrar ou pode completar essa
integridade; pode affrontar ou pode enaltecer esse caracter.
Não fica a bem dizer, completa e perfeita a
restituição monumental
somente com affeiçoar mais ou menos o plano e a pedra
á
fórma primativa.
No Monumento fundiu-se uma idea; reside e perpetua-se
n'elle uma intenção, um culto, uma
consagração historica que
se quer respeitar desde que se quer conservar e restaurar o
Monumento.
Se não se comprehende, se não se sente, se
não se respeita
isto, parece hypocrisia o empenho e o cuidado da
conservação material.
O monumento commemorativo de um feito que synthetisa e
glorifica o nome, o esforço, a missão historica
de um povo atravez
das idades e das nações, não
póde ser vasadouro ou asylo eventual
de serviços e instituições avulsas sem
caracter nem significação
que com a d'elle condiga n'uma expontanea e nobre consonancia
moral.
Santa Maria de Belem é o
Te-Deum que agradece e celebra a
victoria da idea, da fé e do esforço que
alargaram o nome e a terra
da Patria portugueza, como Santa Maria da Victoria canta e celebra
[18]
o triumpho do direito, da vontade, da rasão das
gerações que
fizeram essa Patria, independente e soberana.
Completam-se e continuam como padrões do desenvolvimento
de um povo no tempo e no espaço, na sua solidariedade
historica
e na sua individualidade politica.
Pertencem á historia d'esse paiz.
São monumentos religiosos, menos já porque o
sejam de uma
crença mystica do que porque o são da honra e do
nome commum.
Guardar, conservar, reparar, amoravelmente, devotamente, taes
monumentos,―estes como tantos;―restituir aos Jeronymos,―que
é o caso especial, opportuno, que nos preoccupa,―a
continuidade,
a integridade, a conclusão panoramica, esthetica,
monumental:
nada mais honesto, mais digno, mais affirmativo da nossa
dignidade civica e da nossa cultura moral.
Mas não é tudo.
Um elemento d'essa restituição é hoje
irrestituivel. Perdeu-se;
não pode restaurar-se; porque não era, como os
outros ou como
a Arte, necessario e eterno. Ha de sempre succeder isto.
Mas como não ha Jeronymos a alojar, nem poderá
resuscitar-se
a instituição que desappareceu na
evolução do tempo, das necessidades,
do modo de ser social, para vir de novo povoar a monumental
fabrica, outra terá de escolher-se e outra se escolha que se
conforme com a significação, com a finalidade,
com o caracter historico,
fundamental e perenne, do Monumento; com a
intenção,
com a affirmação subsistente e actual d'elle.
Está bem de ver que assim como não se teria feito
o Convento
se não houvesse frades, não se ha de
reconstituil-o para o deixar
vasio e inutil ás necessidades da vida e da
administração nacional
moderna.
Teve já uma certa voga o pensamento de destinar o Templo, a
jazida dos restos de cidadãos benemeritos e illustres; a
Pantheon
Civico, como costuma dizer-se.
Arriscada e difficil na execução, a idea era ao
primeiro aspecto
perfeitamente pratica e sympathica: restricta aos nomes ou aos
personagens sobre os quaes passou já o juizo da Historia,
tinha
até a vantagem de nos redimir de muitas vergonhas.
Melhor, talvez do que no Templo, propriamente dito, na vasta
gallilea, poderiam recolher-se, em sarcophagos de pedra, os restos
dispersos dos heroes da Descoberta, dando-lhe assim o destino historico
de
Campo Santo que tão
naturalmente se harmonisaria, até,
com a tradicção d'aquella especie de
construcções.
Com relação á parte conventual, n'uma
commissão official de
[19]
que fiz parte, ha annos, foi lembrado que ficaria ahi adquadamente
installado o museu de Bellas-Artes, esse pobre nomada que
não
obteve ainda alojamento proprio, e a Escola correspondente que
talvez podesse chamar-se assim do seu feiticismo academico e
extrangeirista
á contemplação e ao amor da Arte
nacional.
Mas os Museus e as Escolas tem condições
especiaes de installação
que não poderiam facilmente realisar-se no edificio de
Belem, sem prejuizo da estructura d'elle, além de convir aos
primeiros,
especialmente, quando dotados de um caracter e destino
de applicação actual, uma
situação mais central e accessivel, á
beira das grandes correntes de circulação urbana.
Ora succede que uma instituição existe de um
capital e universal
interesse social e historico, e de um caracter que perfeitamente
se harmonisa com o do monumento, tanto que logo na
fundação
delle podera ter-se-lhe associado, e não offerece, hoje
ainda, exigencias
de adaptação que o contrariem.
Acresce que essa instituição impropriamente
installada, não tem
já alojamento que em boas e seguras
condições lhe comporte o
continuo e necessario desenvolvimento.
É o Archivo Nacional, a tradiccionaria
Torre do Tombo, o riquissimo
e genuino repositorio da vida da Nação em todos
os seus
elementos e em todas as suas evoluções;
já se vê: o Archivo Nacional
reformado, ampliado, restituido á sua nobre e justa
authonomia,
recolhendo e reunindo todas as folhas dispersas da Historia
Portugueza, desde os humildes codices dos conventos, das freguezias,
dos bispados, que apodrecem por esse paiz fóra armazenados
nas Camaras Ecclesiasticas, até aos mais graduados diplomas
da vida do Estado, cuja ordenação, cuja
authenticidade até,
anda arriscada, de ha muito, na falta de um registamento central
e alheio ao simples expediente vario das
repartições bureaucraticas.
E não só recolhendo e colligindo as folhas de
pergaminho e de
papel, mas as de pedra e de bronze em que essa Historia se fixa:
Archivo e museu archeologico portuguez, ao mesmo tempo.
Onde poderá encontrar-se mais propria e grandiosa arca para
encerrar taes thesouros?
Que mais condigno deposito poderá confiar-se
áquellas fortes
e venerandas muralhas e abobodas impregnadas da
tradição gloriosa
da Nação?
Como se ajustariam conteudo e continente n'uma imponente e
sugestiva harmonia de estimulos e de saudades; n'um mesmo culto
e n'um mesmo testemunho de honra e de nobreza?
[20]
E depois, seria talvez o caso unico em que não tivesse de
sacrificar
se o Monumento á
instituição hospedada ou de prejudicar
esta para poupar aquelle.
III
Conveniencias occasionaes de administração ou de
politica entregando
ultimamente as
obras de Belem a uma
Repartição regularmente
official e technica:―a da conservação dos
edificios publicos,―pareceram
encerrar, em fim, a historia aventurosa e tumultuaria
d'essas
obras.
Em 17 de março de 1894 essa
Repartição, expondo ao Governo
a conveniencia de concluir as
obras
e de as ter terminadas
por occasião do Centenario da India, propoz que se abrisse
um
concurso entre architectos nacionaes para se fixar definitivamente
o caracter e projecto d'essa conclusão. Concordando, o
Conselho
d'obras publicas aconselhava, em 7 de maio, que o Director dos
edificios
publicos procedesse á
elaboração do programma do concurso
no sentido de obter um projecto de conclusão expedita e
economica,
«tão simples quando o permitisse o estylo
Manuelino», e em
21 do mesmo mez mandava o Ministro que esse Director desse seguimento
á proposta e parecer alludidos.
Mas sobrecarregado com outros encargos, hesitando, talvez, na
definição das condições
fundamentaes do concurso ou na propria
idea e conveniencia d'elle, este funccionario apresenta, um anno
depois,
em 21 e 27 de maio de maio de 1895, não o programma do
concurso que proposera, mas um projecto de conclusão
elaborado
pelo architecto Parente da Silva que lhe annuncia a remessa proxima
de quatro ou cinco projectos ou variantes em
preparação
ainda;―outro projecto de um habil desenhador da
Repartição e
n'ella elaborado,―finalmente a idea propria, tambem transferida
para um projecto,―de se prescindir da
construcção de um «corpo
central», completando a fachada na fórma e estylo
uniforme dos dois
lanços d'ella que subsistem, idea e projecto que alem de
preferir
por mais expedita e barata, acabara por intransigentemente considerar
a mais adquada e racional.
―«A melhor, a unica solução que o
proprio sentimento patriotico
e artistico recommendam»,―diz,
então,―«é, para mim, indiscutivelmente
a construcção seguida dos mesmos membros e
vãos
ja construidos, rigorosamente identicos,
sem corpo
algum central.».
[21]
E tendo entendido dever amparar a sua idea na opinião de
alguns
consultores avulsos, um d'estes o architecto José Maria
Nepomuceno
mais accentuadamente a explica observando que a circumstancia
do eixo longitudinal das arcadas coincidir com o eixo
maior do Templo e a de todos os pilares dos arcos serem egualmente
distanceados, provam a união entre a galilea e aquelle, e
confirmam a indicação historica de que a serie
dos arcos era desempedida
e desafrontada, sem obstaculo algum, até á porta
occidental
da Igreja: conclue, pois, por considerar contrario ao caracter
primitivo da construcção, o famoso
«corpo central» tantas vezes
imaginado.
Manda a justiça dizer que este teimoso disparate do
«corpo
central», agora mais doutrinariamente frisado pelo architecto
Nepomuceno,
parecera ter sido já percebido antes, pois que de uma
allusão do processo official se depreende que pouco depois
da derrocada
de 1878 um engenheiro, o Sr. Cabral Couceiro, proposera
que se prescindisse de vez d'essa excrecencia phantasista e impropria.
Quanto aos dois outros projectos elogiosamente apresentados
pelo Director dos edificios publicos, visando ambos á
construcção
de um «corpo central» mais ou menos aparatoso,
dispenso-me de
occupar-me d'elles, depois do que deixei escripto atraz, relativamente
a esta deploravel idea de scindir o Monumento em dois, ou
a esta extraordinaria incomprehensão historica e
artistica da estructura
e do typo do grande monumento Manuelino. Mas não ficaria
bem com a minha consciencia deixando de reconhecer que se
esse «corpo central» não fosse
fundamentalmente uma deformação,
o imaginado pelo desenhador Bemvindo A. Ceia, n'um dos dois projectos
alludidos, seria de quantos até hoje teem sido propostos, o
que menos brigaria com o typo e com o caracter
architectonico
e
esthetico do Monumento, pela sua fórma geral e pelas suas
linhas
e feições de decoração e
estructura.
Evidentemente, porém, não é a uma
repartição de simples expediente
technico de conservação e
reparação dos edificios do Estado
que pertence propôr ou deliberar qual seja a melhor,―quanto
mais a «unica»,―solução de
obras da natureza e com o fim d'aquellas
que se pretendem concluir no Monumento de Belem.
Desde a sua recente reorganisação se occupara
d'ellas a Commissão
dos Monumentos Nacionaes, e justamente apprehensiva
pela licção do passado e pelos exemplos do
presente com esta manifesta
tendencia de absorpção bureaucratica do assumpto,
já em
officio de 29 de julho de 1894 e em conferencias verbaes com os
[22]
Ministros das Obras Publicas, exposera a necessidade de que elle
fosse larga e competentemente estudado, reividicando, mesmo, o
direito que pelo seu regulamento lhe era attribuido, quando
não
lh'o fosse pelo proprio facto da sua instituição
official, de ser ouvida
sobre quaesquer projectos que tão grave e intimamente
interessavam
um dos nossos mais notaveis Monumentos.
N'este pensamento tão simples e justo, naturalmente nos
encontrámos
com o criterio illustrado e patriotico do actual
Ministro,
que fazendo sobrestar em todas as propostas e instancias recebidas,
ordenou, em 29 de maio ultimo, que nos fosse enviado o processo
para que sobre elle podessemos proferir o parecer e voto do
nosso estudo e da competencia que a lei nos attribuiu.
A situação é clara e simples.
Não nos achamos a contas com o problema aberto de uma
construcção, de uma
restauração, de uma
restituição monumental.
Achamo-nos em face de umas certas obras de
construcção emprehendidas
inteiramente fóra da nossa responsabilidade, com o
fim de substituir edificações demolidas e de
continuar e completar
o Monumento dos Jeronymos por uma fórma que se entendeu
melhor conformar-se com o caracter d'elle.
Como essas obras não obedeceram a um plano geral definido
e certo, pergunta-se como terminal-as e concluil-as n'uma mais
proxima e mais segura harmonia com o aspecto, o caracter, a
significação
historica e artistica do Monumento.
É só isto, mas não é menos
do que isto.
Porque a questão hoje creio que só
póde ser ou que é só,
esta:―concluir essas
obras, como
quem dissera: trancar e resgatar
esse escandalo, procurando restituir o Monumento, tanto e
como possivel ainda, á sua intrigridade architectonica,
panoramica
critica, por maneira que corresponda ao objectivo moral e ao objectivo
pratico que podem authorisar um Estado regularmente administrado
e um povo authenticamente culto a emprehender e fazer
uma obra d'esta natureza.
Não póde já, é claro,
corrigir-se todos os erros; expurgar o
trabalho feito de todos os aleijões; desagravar a Historia e
a Arte
de todas as violencias, de todos os attentados soffridos.
Não ha de deitar-se abaixo quanto se fez.
A brutalidade de um segundo desabamento poderia ser util,
podera parecer providencial, como foi irrecusavelmente o primeiro,
mas o Estado não faz derrocadas e não pode
proceder brutalmente.
No fim de contas, estão gastos ali mais talvez de 500 contos
de
[23]
réis;―358 vimos já que se tinham gasto
até 1878, em 15 annos,―e
todos estes algarismos só podem deixar de impôr-se
a espiritos
desiquilibrados, irresponsaveis.
Consumiu-se muito trabalho e fez-se e existe,―é
justiça dizel-o,―muito
trabalho primoroso.
N'estas grandes edificações monumentaes tem
sempre de ficar
o rasto e o cunho das gerações que se succedem ou
que por ellas
passam: do seu gosto, da sua educação, da sua
acção, da sua
obra material ou da sua obra moral. Não temos, ali mesmo, em
Belem, todo o vasto corpo da Capella Mór e uma grande parte
do
claustro, por exemplo, a apregoar uma
remodelação, um enxerto,
uma invasão irreverente, sacrilega, até, da
esthesia e do trabalho
originario?
Não seria um attentado maior, um absurdo, um disparate
collossal
derrubar tudo isto sob pretexto de uma
restituição que seria
apenas um artificio pretencioso e ridiculo?
Fiquem pois os minaretes inexplicaveis, mais
levianos que ligeiros,
fique até a irritante torre mitrada, se a sua estabilidade
está
garantida; fiquem as phantasias que custaram muito dinheiro e
muito trabalho, quando a sua supressão correctiva possa
prejudicar,
mais do que o seu disparate incidental, o que deve ser e é o
commum interesse e empenho d'agora.
Fiquem, que ficam attestando a situação social
que as tornou
possiveis.
Os factos consumados não se supprimem. Derrubadas essas
phantasias inscientes não se teria suprimido o processo
extravagante
que as produziu, nas suas relações e nas suas
revelações
historicas.
Aproveite-se e emende-se, tanto e o melhor que fôr possivel,
o
que está feito; embarguem-se e tranquem-se, de vez, as
tendencias
tumultuarias e vaidosas para uma construcção
monumental nova,
de sobreposse, em competencia com o corpo principal do Monumento;
recomponha-se a ligação com este, ineptamente
cortada;
abra-se, de par em par e de lez em lez, a formosissima e singular
gallilea; imponham-se os restos da vasta carcaça para a
reconstrucção
da parte interrompida e derrubada da fachada, vedando em
fim aquella brecha á insolente
pretenção de um «corpo e portico
central» de «imaginaria» scenographica e
reconstituindo o lanço
graciosamente uniforme e modesto das arcarias e casaria primitiva.
E feito isto, ou mais exactamente, á medida que se
faça isto,
desafronte-se o Monumento das edificações reles e
do jardim pelintra
que lhe interrompem e afogam, do lado do Rio, o vasto e
[24]
formosissimo aspecto;―desobstruam se as suas imponentes gallarias
e salões, das installações improprias
que os teem ido invadindo:
do asylo da Casa Pia que melhor e mais adquada
collocação
encontrará facilmente fóra da cidade;―do pseudo
Museu industrial
que, se comprehende o seu rasoavel papel, deve procurar
as grandes correntes de circulação urbana e os
bairros onde se
concentra o movimento das industrias, etc.
E desobstruida, e desafrontada, e concluida a monumental
edificação,
complete-se a sua integridade historica, nacional; por um
lado: alojando no Mosteiro o Archivo da Nação;
por outro lado:
removendo do Templo o exercicio e a administração
do culto parochial.
Este é o meu parecer e o meu voto.
Muito propositadamente o quiz ir explicando e definindo n'esta
summaria nota, tanto para que a responsabilidade individual d'elle
mais desafogada deixe a da resolução que os meus
collegas entendam
dever preferir, como para escusar delongas de discussão
em assumpto e idéas que reclamam realmente uma
resolução
prompta e sobre as quaes, pela minha parte, considero inutil voltar.
Como se vê, em relação á
forma ou processo material da conclusão
das obras, as minhas idéas, de ha muito definidas e
affirmadas,
coincidem, geralmente, com o projecto apresentado pelo Director
dos edificios publicos, e excluem todos os outros, e todos
ainda que possam reincidir na excrecencia que considero historica
e artisticamente absurda de um chamado «corpo
central».
Mas propoz tambem esse funccionario, embora não
pareça ter
presistido na idéa, a abertura de um concurso para apurar o
projecto
da conclusão desejada. Comprehendo que o
«concurso» encontre
uma corrente favoravel e sympathica, mais ou menos artificiosamente
sugerida, na opinião geral.
O «concurso» não deixou inteiramente de
ser, ainda, uma especie
de feitiço nacional, por mais que tenha mostrado ser,
apenas,
um processo embusteiro de dissolver e esconder responsabilidades,
quantas vezes tambem, de arredar merecimentos reaes, de
elevar insignificancias, de esmagar direitos.
O bom, o genuino, o pratico concurso é a livre concorrencia
do trabalho, das aptidões, da
affirmação positiva dos merecimentos
de cada qual, perante este juiz difficilmente corruptivel que se
chama Toda-a-gente, ou este Tribunal implacavel e permanente
que se chama a Historia.
O «concurso», no caso pendente, ou ha de ter uma
base extremamente
restricta de applicação que o torna inutil, ou
alargada
[25]
essa base sobre o thema da melhor conclusão, não
apenas das
obras, mas do Monumento,
ir-nos-hemos envolver em novos embaraços
e em novas delongas, se é que não tivermos de
reconhecer
que se perdeu muito tempo e muito trabalho para não obter
um projecto viavel.
No começo das obras o concurso podera ter tido, ao menos, a
vantagem de suscitar o estudo detido e serio da
reconstrucção ou
da restauração a fazer; dos elementos e
caracteres do estylo a seguir;
das condições e circumstancias da obra a
realisar.
Hoje daria, naturalmente, apenas, o resultado de mais demorar
a conclusão e de mais a affastar, ainda, do caracter e
estructura
primitiva,―modesta e simples,―da parte que se quiz reconstruir.
A emulação e a prosapia dos concorrentes
forçar-lhes-hia a imaginação;
cada qual procuraria produzir um projecto do que mais
e melhor se affirmassem os seus recursos, as suas aptidões,
a sua
originalidade de constructor e de artista.
E se a isto juntarmos as influencias perturbadoras da indisciplina
intellectual e educativa que enfraquece e desmoralisa por
egual a nossa producção e a nossa critica
artistica; se contar-mos
com a pressão das consagrações
forjadas e impostas pelas pequenas
camarilhas num meio mal organisado para que o publico pense
e julgue por si, n'estas cousas da Historia e da Arte, facil
é de
prever, a quem não fôr inteiramente inexperiente e
ingenuo, que o
concurso longe de ser um processo expedito e seguro será o
mais
arriscado e menos pratico, nas circumstancias ou nas
condições,
pelo menos, em que o problema tem de ser posto e resolvido.
O exemplo,―um pequeno mas significativo exemplo,―do
concurso para a pintura do tecto do Theatro
D.
Maria, não é
muito antigo.
E eu sei bem quanto se viu atormentado um jury firmemente
consciencioso e sério para dar a preferencia ao projecto do
monumento
a Affonso de Albuquerque que mais estudo, mais caracter,
mais originalidade intelligente e san possuia, mas que fôra
pensado
e elaborado por um artista sem nome, sobretudo sem camarilha.
De resto, o que se pretende e precisa é menos um trabalho de
concepção, que de direcção
e execução architectonica. Quanto menos
esforço conceptivo ou inventivo se despender, mais garantido
fica o caracter restitutivo da construcção.
Temos no paiz pouco mais,―se tanto,―de meia duzia de
architectos authenticos. Para o que entendo que deve ser ou que
só pode ser hoje a conclusão das obras, nos
termos praticos que
[26]
todas as circumstancias indicam, póde antecipadamente
affirmar-se
que qualquer d'esses architectos é apto e competente.
Por estas e por muitas outras rasões ainda, concluo, pois,
por
julgar mais do que dispensavel, inconveniente, o concurso, e direi
até que uma d'essas rasões é
exactamente não ver explicada a necessidade
d'elle.
Resumindo e terminando, o que tenho a honra de propôr
é que
se aconselhe ao Governo, o seguinte:
1.º―A conclusão das obras deve consistir na
união do Templo
com a Galilea; no desobstruimento completo d'esta desde o
seu extremo occidental até á porta da nave
principal do Templo,
e na reconstrucção da parte interrompida da mesma
galilea e da
casaria sobreposta, em perfeita e uniforme continuidade dos
membros e vãos existentes, com absoluta exclusão
de qualquer
corpo central,―real ou simulado,―por contrario ao caracter primitivo
da edificação e á unidade monumental
d'ella. As secções
posteriores das obras deverão concluir-se com a maior
sobriedade
architectonica e decorativa tendo sómente em vista
completal-as e
ligal-as n'uma traça geral no menor praso e com a maior
economia.
Deverão ser aproveitadas e conservadas, quanto possivel, as
construcções feitas, e poderá servir
de base á conclusão indicada
e projecto apresentado pelo Director dos edificios publicos com as
variantes approvadas por uma commissão que terá a
seu cargo a
inspecção da obra até final.
2.º―A obra deverá ser mantida na
administração directa do
Estado, e feita pela Repartição dos edificios
publicos, tendo a inspecção
superior e permanente d'ella, até á
conclusão, uma commissão
composta de um engenheiro, de um architecto e de um critico
d'Arte, respectivamente escolhidos pelo Conselho Superior
d'Obras Publicas, pela Academia de Bellas Artes e pela
Commissão
dos Monumentos Nacionaes.
3.º―Deverão ser e estar removidos até o
dia 31
de dezembro
de 1896, todos os estabelecimentos que actualmente occupam diversas
secções do Monumento, e bem assim transferida
para outro
Templo a séde parochial.
4.º―Até á mesma data deverá
ser o
Monumento desafrontado
das edificações de qualquer especie que se
intercallem entre
elle e o Rio ou o caes marginal.
5.º―O Templo deve ficar destinado, sómente,
ás grandes celebrações
[27]
religiosas do Estado, e a Galilea a
jazida dos restos dos
Descobridores e Navegadores portuguezes.
6.º―Todo o resto do monumental edificio deve ser destinado
a alojamento e installação do Archivo Nacional,
convindo que essa
installação se ache concluida até o
mez de Maio de 1897.
Lisboa, 2 de Novembro de 1895.
Luciano Cordeiro.
Notas:
[1]
«Copia. Fachada geral do edificio tal qual
existia antes de se proceder
á reconstrucção». (Escala
1:100) Tem a rubrica:―«Manuel Raymundo
Valladas, major d'engenheria, director da Casa Pia, encarregado dos
trabalhos
de reconstrucções».
Consta-me que o original existe no cartorio da Casa Pia.
[2]
Galilaeum porticum hoc
interpretatur, quam nostri Galerie vocant;
etc. (
Ducange).
Ha quem prefira ainda a fórma barbara e obsoleta de
galilé, e escusado
é
dizer que as duas são indifferentemente adoptadas pelos
melhores lexicographos.
Mas o que tem graça é o debique que a
fórma culta e portuguesissima de
galilea, desde que eu a adoptei, de
preferencia, soffreu na propria commissão
dos monumentos.
―«Que galilé é que era, porque...
assim escreviam as
chronicas», e ainda
por este apendice jovial da rasão: «que Galilea
era uma terra, uma região bem
conhecida».
E se fosse exactamente do nome classico da provincia da Judea, theatro
e
berço dos primeiros mysterios christãos, que
devesse extrahir-se a etymologia
melhor do termo indicativo d'aquelle membro da architectura sacra?
Vale talvez a pena pensar n'isto, se não acham mais commodo
contentar-se
com as derivações etymologicas de
galea,
leae; de
galeatus (
galea
indutus);
de
galerus,
ri, etc. em que não sei
se teem alguma vez pensado.
[3]
É
extraordinario como se perdeu a
noção facil e pratica da
disposição
geral da edificação, da sua
orientação, ou como mais exactamente se
póde
dizer, da sua
occidentação,
a ponto de se obstruir e afogar a secção
occidental,
a entrada da galilea, que se tivesse sido reconhecida e mantida
não teria deixado
pensar em corpos ou entradas «centraes» na fachada
do sul. N'um parecer
juncto ao processo lembra Nepomuceno a indicação
de Carvalho da Costa
de «que em certos dias
o sol ao
cahir entrava pelo arco onde estava a fonte e
ia bater na porta do sacrario».
[4]
Depois
de ter escripto este parecer disse-me o meu amigo e
dedicado
director da Casa Pia, F. Margiochi, que o projecto original existe
ali.
[5]
«Cadernos
dos esclarecimentos pedidos pela
commissão nomeada por
portaria de 19 de dezembro de 1878»...
No processo official do Ministerio das Obras Publicas.
[6]
Tenho
idea, e mais alguem a terá, de
que na decoração do famoso
corpo ou torreão central que ruiu, apparecia
até... o escudo da Saboia, cortezã
allusão, naturalmente, ao recente consorcio Regio. Tambem
n'uma reconstrucção
(sic) da Madre de Deus, póde ver-se, ainda, torneando o
capitel d'um
columnello gothico... um comboio de caminho de ferro! Homenagem
á visinhança...
[7]
Relatorio
da adm. da R. Casa Pia de Lisboa, relat. ao anno
econ. de
1891-1892.―Lisboa, 1895.
[8]
«As
obras teem tido andamento consideravel sob a
direcção do Sr.
architecto Domingos Parente da Silva.»
Rel. da
adm. da R. Casa Pia,
relativo
ao anno de 1891-1892.
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